COMENTÁRIOS/NOTÍCIAS
"O Meu Tio Fernando Pessoa" é mais uma porta aberta
para que o conheçamos melhor. Além disso, a edição é
linda, esteticamente, e isso devo ao meu editor, que
é um artista.
No livro conto um episódio que fazia parte das
brincadeiras de "faz de conta" e que consistia em
sugerir ao Tio que podia eu fazer-lhe a barba e até
arranjar-lhe as unhas. Teria talvez uns três anos e
já o acompanhara ao barbeiro na nossa rua. Também
neste livro aparecem reproduzidas as cartas do
tio-avô de Fernando Pessoa, que mostram a relação
imaginativa desses recuados tempos. Com documentos e
memórias, constrói-se um passado colorido que o
marcou certamente.
...
Os documentos novos apresentados neste livro, como
algumas páginas de um diário de sua mãe, ajudam a
perceber melhor o mundo dos afetos e o ambiente em
que foi criado.
Cristina, ano 1, nº 7, 2015
Livro do Dia, TSF, 24 de Setembro de 2015
Oitenta anos após a morte do poeta, os
investigadores pessoanos ainda descobrem inéditos ou
variações de textos que fazem da fixação da sua obra
completa um 'work in progress', uma aventura
intelectual sem fim à vista.
Que lugar pode ocupar um livro como "O Meu Tio -
Fernando Pessoa", organizado por Manuela Nogueira,
na vastíssima bibliografia sobre o autor de
"Mensagem"? Um lugar discreto, evidentemente, mas
nem por isso menos digno de atenção.
...
Além da relação de Pessoa com as crianças à sua
volta, o livro foca-se na infância do poeta,
recuperando fotografias, excertos de cartas e
diários, vislumbres de felicidade ou de desgostos,
entre Durban e Lisboa, marcos de uma construção
identitária que ajuda a compreender as suas obras
essenciais.
José Mário Silva, Expresso, 4 de Julho de
2015
Memórias de Família
Casa de papel - Manuela Nogueira
A Manuela Nogueira é uma escritora ao pé dos noventa
anos que tem a particularidade de ser sobrinha de
Fernando Pessoa e com ele haver convivido durante os
seus primeiros dez anos de vida. Vejo-a na televisão
a explicar-se acerca dessa memória e não posso
deixar de ficar incrédulo.
Parece uma coisa meio louca, como alguém vir contar
que conversou e brincou com Camões, Cervantes, Bach,
Vivaldi, Goya ou Van Gogh.
Há gente que só é credível no passado, quero dizer,
gente que existe como memória do absoluto colectivo,
algo liberto na história da humanidade como um
conceito a que se deu um nome e apelido. Fernando
Pessoa é assim, um conceito com nome e apelido,
liberto no tesouro universal humano. É uma fortuna
de todos, não se compadece com a estreiteza da
pertença a uma família. Por isso soa a loucura que a
digníssima Manuela Nogueira diga “tio” acerca de
Pessoa. Conte sobre a sopa, a barba, a paciência e o
sorriso, o saibro à porta de casa, a loja onde
comprava chocolates. Comia chocolates na metafísica
descomplicada das crianças. A metafísica mais
invejável.
Perdemos as pessoas sempre absurdamente. Há uma
explicação insuportável para a morte e o jugo do
tempo é demasiado sem diálogo. Somos manifestamente
à deriva, o problema é amar e o amor ser modo de
agarrar. Assim, tornam-se de uma mitologia
retumbante as pessoas que nos morreram. Relembramos
cada gesto como se fosse até impossível lembrar. Há
uma espécie de vitória que também nos humilha na
possibilidade de ainda lembrarmos. De qualquer
maneira, sem a memória somos roubados do amor. A
memória é o amor que perdura.
Pensar Fernando Pessoa, por outro lado, é um amor de
toda a gente, uma espécie de memória que já é
sobretudo a ideia de património colectivo, uma ideia
de sociedade. Pensamos Pessoa como quem comprova a
existência de uma determinada sociedade. Somos
estes, os do Pessoa. Interferir nessa concepção uma
efectiva relação de memória é da ordem do divino.
Como se alguém viesse com notícias de um olimpo,
porque o passado cristaliza e eleva à mitologia.
Manuela Nogueira é uma máquina do tempo capaz de
aludir ao que havia antes do cristal definitivo. É
como um empecilho à própria ideia de definição,
porque ela observou directamente o que os conceitos
se obstinam por definir, que é como quem diz, por
parar. Enquanto esta senhora testemunhar, Pessoa é
um movimento e há uma porta toda subjectiva e
vibrante entre o lugar dos deuses e o lugar dos
homens.
Era o programa de Fátima Lopes, as conversas são
tidas com uma simpatia e descontracção bastantes, é
mais comum que as figuras ali vão discutir
telenovelas ou aflições para uma piedade nem sempre
muito salvadora.
Evocar-se Fernando Pessoa na tarde de entretenimento
da televisão significa importantemente o que dizia
acima, que ele transpôs a individualidade e se
disseminou em quem somos, como ingrediente do ser-se
português. Passa a dizer respeito aos assuntos
todos. É uma pergunta colocada a cada cidadão à qual
apenas vida inteira servirá de resposta.
A lucidez de Manuela Nogueira, a capacidade de
contar, o impressionante e impressionado detalhe com
que fala da sua infância, é um meio de transporte.
Pousamos em cada palavra a caminho dos anos de 1930.
Eu sei que os livros são gente e eles operam
exactamente assim. Mas gente ser um livro é mais
raro, especialmente se a história que nos conta vem
de um tempo, ou de uma realidade, que julgávamos
esgotada de discurso directo. Subitamente, alguém
está verdadeiramente dentro de um segredo. Uma coisa
de conhecer e sentir.
Um observador que lida ainda com a sua própria
estupefacção, como todos quantos viram uma demasia.
Valter Hugo Mãe, Público, 19/07/2015
Sobrinha de Fernando Pessoa publica livro sobre o
poeta Com a chancela da Editora Centro Atlântico
A editora Centro Atlântico e a autora Manuela
Nogueira apresentaram recentemente o livro “O Meu
Tio Fernando Pessoa”, que inclui diversos textos
inéditos (cartas e diários) sobre a infância de
Fernando Pessoa.
A obra integra ainda um prefácio da autoria de
Richard Zenith, escritor e especialista da obra
pessoana.
O volume “O Meu Tio Fernando Pessoa”, que se
encontra à venda pelo preço de 14 euros, apresenta
muitos dados sobre a infância do autor de “Mensagem”
e inclui textos que revelam o “menino” que nele
subsistiu depois de atingir a
idade adulta.
Esta antologia, compilada por Manuela Nogueira,
revela-nos ainda alguns aspetos da personalidade de
Fernando Pessoa que são menos conhecidos da
generalidade dos leitores – razão por que a frase
“Fernando Pessoa: o homem que nunca foi” adquire,
nesta obra, o seu verdadeiro significado, porquanto,
até ao dia da sua morte, “Pessoa foi sempre uma
grande, genialíssima criança”.
Maria Manuela Nogueira Rosa Dias Murteira (de seu
nome completo), sobrinha de Fernando Pessoa, nasceu
na Rua Coelho da Rocha, naquela que é hoje a “Casa
Fernando Pessoa”. Tem colaborado com vários jornais
e publicou vinte livros (contos, romances e poesia).
O volume de poesia “Ritual sem palco” foi traduzido
para francês.
Manuela Nogueira tem percorrido inúmeras escolas e
bibliotecas, falando dos seus livros (incentivos à
leitura) e da vida e obra do seu tio Fernando
Pessoa. Foi um dos membros fundadores da Associação
Fernando Pessoa.
Diário do Minho, 8 de Julho de 2015
O
tio poeta a quem Mimi fazia a barba no sofá da sala
Fernando Pessoa parecia sério mas em casa gostava de
pregar partidas e brincar com os sobrinhos, conta
Manuela Nogueira, autora do livro 'O Meu Tio
Fernando Pessoa'.
Quando era pequena, Maria Manuela gostava de
acompanhar o seu tio Fernando até ao Manecas, que
era o barbeiro do bairro de Campo de Ourique. "Íamos
de mão dada, pela Coelho da Rocha. Depois eu ficava
a olhar, muito atenta, e a ouvir as conversas
deles", recorda. Outra vezes, pedia ao tio para ser
ela a fazer-lhe a barba. Ele sentava-se no sofá azul
escuro, ela ia buscar a cadeirinha de madeira, uma
tolha, o pincel e o sabão. "Quando ele tinha
paciência fazia-lhe também as unhas, com o polidor
da minha mãe. Lembro-me que ele tinha os dedos
amarelos, por causa do tabaco." No final, o tio
Fernando dava-lhe uma moeda pela barba e outra moeda
pelas unhas. Manuela, ou Mimi, como lhe chamavam
nessa altura os familiares, corria para a cozinha e
pedia à empregada que a acompanhasse à leitaria do
senhor Trindade para comprar chocolates. "Se calhar,
foi daí que veio o "come chocolates, pequena, come
chocolates", do Álvaro de Campos", ri-se Manuela, a
sobrinha de Fernando Pessoa, ao partilhar estas
memórias. "Quem sabe?"
São memórias como estas que tem Manuela Nogueira,
autora do livro O Meu Tio Fernando Pessoa, que é
hoje lançado, um dia antes do aniversário do poeta
(1888-1935).
Diário de Notícias, 12 de Junho de 2015 |