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Ligações entre Redes de Telecomunicações e a Internet

A interligação de redes de telecomunicações é um dos aspectos essenciais para a criação de um mercado de telecomunicações competitivo num cenário de liberalização. Esta questão é tanto mais premente quando se prevê que na União Europeia, 1998 seja o ano da liberalização na maioria dos Países da comunidade (Portugal é ainda uma incógnita, mas ainda há esperança que nesta matéria venhamos a pertencer aos “Ins” em vez dos “Outs”).

A importância da interligação

A interligação de redes de telecomunicações é de crucial importância para a viabilização de novos intervenientes num mercado cuja componente essencial é a “acessibilidade”. Senão vejamos: imaginemos que a “NacionalDois” uma nova companhia de telecomunicações especializada no fornecimento de serviço telefónico para empresas surge no mercado nacional no dia 2 de Janeiro de 1998. Esta companhia, com enorme capacidade financeira, decide instalar na Grande Lisboa, Grande Porto, Algarve e nalgumas outras regiões centrais telefónicas RDIS de última geração, e disponibiliza o serviço telefónico aos seus clientes com alguns argumentos competitivos eventualmente interessantes e distintivos relativamente à sua concorrência, incluindo por exemplo: facturação detalhada; instalação de acessos em 7 dias úteis; tarifas fixas mensais para chamadas na zona local; facilidades de diversas, etc.

Qual será o sucesso desta empresa, apesar das suas vantagens competitivas, se os seus assinantes não puderem “telefonar” para assinantes da Portugal Telecom? Ou se o tiverem de fazer com tarifas internacionais?

Ou seja, a entrada de novos competidores no sector das telecomunicações está inteiramente dependente da boa vontade dos operadores existentes. Ora essa boa vontade não existe em grande quantidade quando o que está em causa é facilitar a entrada no mercado de competidores, pelo que normalmente tem de ser o legislador a definir a obrigação de interligação.

Mas em que condições fazer a interligação? Os vários modelos de acordos de interligação existentes resumem-se a três grandes classes:

“Settlement” bilateral - neste modelo cada operador cobra ao utilizador originador da chamada; o operador que origina mais chamadas para o outro paga a este um valor corresponde ao custo de transportar essas chamadas adicionais.

Taxas de Trânsito - neste modelo o operador local paga a um operador regional, nacional ou global pelo transporte das chamadas que originam nos seus clientes.

Sender Keep All - neste modelo cada operador cobra as chamadas que têm origem nos seus clientes, mas não existe nenhum “settlement” financeiro entre operadores.

O modelo de “settlement bilateral” é utilizado nas ligações internacionais entre operadores de telecomunicações telefónicos, de acordo com regras e custos definidos há várias décadas.

O modelo “taxas de trânsito” é muito utilizado nos Estados Unidos, entre os operadores locais que fornecem o serviço em determinada área e os grandes operadores nacionais (AT&T, MCI e Sprint).

O modelo “Sender Keep All” não é muito comum nas telecomunicações tradicionais, mas é o mais utilizado na Internet.

Em geral o legislador e as entidades regulamentadoras (em Portugal, o ICP - Instituto das Comunicações de Portugal) têm a esperança de que o modelo e as condições de ligação possam ser resolvidas através de mecanismos de negociação comercial.

No caso de concorrentes na mesma área, o modelo “taxas de trânsito” não se aplica pelo que apenas se podem escolher os modelos de “settlement bilateral” ou o de “Sender Keep All”.

No modelo de “settlement bilateral” um novo operador tem tendencialmente maior número de chamadas para um operador instalado do que o contrário, pelo que falta definir quanto paga por cada chamada entregue no operador instalado.

As entidades regulamentadoras são unânimes em legislar que o “settlement” deve ser feito com base no “custo” e não no valor de mercado do serviço prestado mutuamente. Mas isto implica que exista uma forma independente de determinar os “custos reais”. Ora, enquanto nos Estados Unidos os serviços de telecomunicações são prestados por entidades comerciais, que mantêm contabilidades analíticas que permitem avaliar de forma quase exacta o custo de transportar uma chamada ou um pacote, isso está longe de ser o caso na Europa onde na maioria dos casos existem monopólios. Assim, o normal é ser o operador do monopólio a indicar discrecionariamente o valor de custo às entidades regulamentadores, pelo que é normal que os operadores concorrentes não fiquem satisfeitos.

Resumindo, a interligação por negociação parece difícil de resultar e ter efeitos positivos na competitividade do mercado, pois na maioria dos casos a questão acaba por cair de volta nos regulamentadores ou nos tribunais. Existem vários exemplos de insucesso do cenário de interligação por negociação comercial entre as partes envolvidas:

  • no Reino Unido apesar de a Mercury operar há mais de 10 anos, a BT continua a dominar o mercado com mais de 93%, o que levou a Oftel (entidade regulamentadora no Reino Unido) a propor novas regras para as condições de interligação;
  • em Portugal, na área dos telefones móveis houve vários problemas na interligação dos vários operadores, e no acesso dos mesmos à rede fixa, que regularmente tiveram eco na comunicação social;
  • também em Portugal, o cenário mais complicado mantém-se entre a Telepac e a Comnexo no que respeita à interligação das suas redes de X.25 e frame-relay.

Serviços de Dados

Portugal, embora atrasado noutros aspectos, tem desde 1989/90 legislação competitiva para a área das telecomunicações de dados (serviços de telecomunicações complementares fixos e serviços de valor acrescentado) e serviços de telecomunicações complementares móveis.

A questão da interligação tem, no entanto, sido um dos pontos fracos da legislação, em especial no que se refere à comunicação de dados. A Portaria nº 930/92 de 3 de Novembro, que define o Regulamento de Exploração de Serviços de Telecomunicações Complementares Fixos define no seu artigo 5º a obrigação dos operadores licenciados de “...interligar-se a redes ou serviços nacionais ou internacionais” e acrescenta que nesses casos “...devem ser cumpridas as respectivas condições de acesso.”

Ao não definir prazos nem ser mais clara relativamente a modelos de interligação, cai-se na situação descrita acima: ou os operadores se entendem ou a interligação não é feita em tempo útil. O caso referido da (não) ligação entre as redes X.25 da Telepac e da Comnexo arrisca-se a ser emblemático da ineficácia da legislação: quando se chegar a acordo já as redes não são necessárias pois já ninguém vai usar X.25.

Interligação na Internet

A Internet tem características especiais no que respeita a interligação de redes por vários motivos.

- Em primeiro lugar e essencialmente, porque a “interligação” está na génese da própria Internet. Relembre-se que o acrónimo Internet nasce da abreviatura de “INTERconnected NETworks”, ou seja “redes interligadas”.

- Em segundo lugar porque a Internet sempre foi e em grande parte ainda é uma rede cooperativa.

- Em terceiro lugar porque a Internet nasce da ligação entre redes privadas, isto é redes de entidades que eram “utilizadores” de telecomunicações, que a criaram por não terem resposta nos serviços oferecidos pelos operadores de então, e que sempre mantiveram uma “sub-cultura” antagónica às telecomunicações tradicionais assumindo-se muito mais como “gente prática vinda do mundo real e competitivo da informática”.

- Em quarto lugar, porque na Internet sempre houve horror a “complicações” que envolvam contas de somar e subtrair, disputas legais e outras fascinantes experiências do mundo real.

- Além disso, pela forma como funciona, na Internet é difícil a um operador impedir que clientes de outro operador comuniquem com os seus clientes.

Seria então de esperar que a questão de interligação estivesse resolvida à partida?

Não é essa claramente a realidade.

Em primeiro lugar porque o espírito de cooperação deixou de estar tão alto nas prioridades de quem passou a fazer da Internet o seu “core business”. Em segundo, porque grande parte dos operadores de telecomunicações tradicionais desistiram da “Auto-estrada da Informação” do futuro e preferiram abrir os olhos e ver a do presente, o que lhes fica muito bem. Em terceiro, porque muitas das regras da “conduta comercial” da Internet não estavam escritas pelo que é fácil “revê-las” e “adaptá-las”.

Uma última questão tem a ver com o facto de que ao contrário dos serviços tradicionais de telecomunicações na Internet não existir o conceito de chamada, nem de originador nem de destinatário que tanta utilidade têm para a tarifação do serviço telefónico ou do serviço X.25. Na Internet cada pacote (conjunto de informação de uma conversação) é tratado de forma independente pela rede e o seu número ou dimensão não são em geral utilizados para a tarifação. Devido a esta característica as tarifas na Internet são em geral fixas e de acordo com a velocidade com que se conseguem enviar e receber dados.

Assim, quais são então as opções relativas à interligação entre operadores de serviço Internet num mesmo mercado?

  1. Não fazer interligação;
  2. Fazer interligação com ou sem “settlement”;
  3. Usar um ponto de interligação comum.

A primeira opção é o resultado de não ser possível negociar uma solução satisfatória e traz desvantagens para todos os operadores, pois a interligação acaba por ser feita através de redes internacionais, utilizando os seus circuitos mais caros - os internacionais, afectando negativamente a qualidade de serviço oferecida aos seus clientes, e além disso levantando questões complicadas junto dos operadores internacionais que acabam por ser penalizados pela falta de entendimento.

A segunda opção é vantajosa mas resulta de uma negociação que determina adicionalmente se existe e quanto vale o “settlement”.

Ao contrário do que se poderia pensar, nem sempre a dimensão dos operadores é relevante para determinar a necessidade de “settlement” financeiro. Por exemplo, imagine-se o caso de um grande operador com 100 mil clientes e um pequeno operador com apenas mil. Embora o operador grande possa argumentar que ao dar acesso aos seus 100 mil clientes ao pequeno operador, este pode contra-argumentar que não recebe qualquer benefício adicional por esses clientes, pois continua a facturar apenas os seus mil clientes, e em contrapartida tem os 100 mil clientes do operador grande a gastar recursos na sua (pequena) rede.

A solução para o modelo “Sender Keep All” passa por garantir que ambos os operadores têm infraestruturas próprias de ligação internacional e disponibilizam os vários serviços base da Internet, incluindo News, DNS, NTP, etc. sem recorrer aos serviços do outro operador. Esta condição tem por vezes a consequência de não permitir uma eficiente alocação de recursos. Nesse caso um operador mais pequeno pode recorrer aos serviços do outro operador mediante o pagamento de um “settlement” correspondente aos serviços que são “importados”.

Esta opção pode ser implementada num ponto físico único onde existem vários operadores e onde cada um estabelece ligação com aqueles com quem negoceia a ligação, caso a tecnologia utilizada o permita.

A terceira opção baseia-se numa infraestrutura onde automaticamente se tem ligação a todos os outros operadores presentes nesse ponto. Neste caso o modelo é sempre “Sender Keeps All”. Distingue-se claramente da segunda opção pelo facto de no ponto de ligação não haver flexibilidade relativamente às ligações bilaterais a estabelecer. Pressupõe por isso que existam regras que limitam o acesso de potenciais clientes ao ponto de ligação.

O caso Português - PIX - Portuguese Internet Exchange

No caso Português a questão é: como estão interligadas as redes dos vários operadores de serviço Internet? Comunicam directamente entre si? Comunicam através de redes internacionais?

Historicamente a situação evoluiu desde 1990, a partir de uma única rede em Portugal, a RCCN que suportava além do tráfego das universidades, o tráfego do PUUG e o tráfego do INESC. A partir de 1994 a situação começou a alargar-se com a entrada no mercado da Telepac e da previsível entrada do único outro operador de dados então existente, a Comnexo. Em Outubro/Novembro de 94 é promovida pelo INESC, FCCN e PUUG uma reunião cujo tema é o PIX (Ponto de Interligação Internet Português) para a qual são também convidadas e participam a Telepac e Comnexo. Nessa primeira reunião é decidido avançar para a criação do PIX, promovido e mantido pela RCCN, que foi aceite como entidade neutra e com a competência técnica para o montar e manter. É assim, que na primeira metade de 1995 surge um PIX experimental que arranca em Setembro/Outubro de 1995 com ligações da FCCN, do PUUG e da IP.

O PIX, enquanto estrutura baseia-se no modelo de peering bilateral concentrado num único ponto. Assim, cada operador pede um circuito desde a sua rede até esse ponto comum, podendo depois estabelecer ou não acordos de interligação bilaterais com cada um dos outros.

Desde então também a Telepac e a Esoterica têm circuitos para o PIX.

Os acordos de ligação existentes alargam-se a ligações cruzadas entre praticamente todos os operadores presentes, embora nalguns casos as negociações tenham demorado mais tempo que noutros.

Dos restantes operadores Internet, nomeadamente a IBM, Comnexo, TID e GlobalOne todos já manifestaram a intenção de aderirem ao mesmo, e de negociarem acordos de ligação e troca de tráfego com os restantes operadores presentes.

Até lá continuaremos a ter pacotes “ciberturistas” como aqueles que vão da IP para a TID e vice-versa:
IP - Ebone (Paris) - ICM (US) - Agis (US-West) - VBCNet (UK) - TID

ou da TID para a Telepac:
TID - VBCNet (UK) - Agis (US) - Sprint (US) - Telepac

ou da Telepac para o PUUG:
Telepac - Sprint (US) - EUNet (US) - EUNet (NL) - PUUG

ou ainda da Esoterica para a TID:
Esoterica - Pipex (UK) - VBCNet (UK) - TID

e da Esoterica para a Telepac:
Esoterica - Pipex (UK) - Telepac

Esta situação tem claras desvantagens para os utilizadores pois o caminho é muito mais longo, tendo repercussões nas velocidades de comunicação, e tem ainda custos mais elevados para todos os operadores.

Cria ainda problemas nas redes internacionais, pois conforme se pode verificar pelos caminhos indicados em muitos casos o tráfego entre operadores nacionais, não só sai do País para depois voltar, como ainda atravessa o Atlântico e volta. Sabendo-se que a parte mais saturada da Internet está nas ligações transatlânticas, e que em geral estas ligações são pagas por grandes redes ou backbones europeus, coloca-se a questão de esses backbones quererem suportar esta situação. Recentemente houve indicações de que alguns dos backbones europeus se preparam para não aceitar tráfego oriundo de Países europeus que chegue por ligações transatlânticas, por forma a garantir que as redes europeias, pelo menos façam a sua ligação na Europa. Se esse desenvolvimente vier a verificar-se algumas redes de operadores Internet europeus poderão ficar isoladas de grande parte da Europa.

Conclusão

A interligação de redes é um factor essencial à garantia da competitividade no sector das telecomunicações. É crucial que a legislação associada ao cenário de liberalização crie os mecanismos que limitem o boicote possível pelos operadores existentes à entrada de concorrentes.

Quando aplicada à Internet a situação não é tão grave como noutras redes, mas a não interligação dos operadores em sistemas como o PIX tem como consequência uma pior qualidade de serviço para todos os utilizadores e um maior custo nas telecomunicações para todos. Urge que todos os operadores de serviço Internet em Portugal adiram ao PIX e estabeleçam ligações entre si, a bem do desenvolvimento da sociedade da informação em Portugal e da competitividade do País em geral.

Texto da responsabilidade de Pedro Ramalho Carlos - Presidente do Conselho de Administração da IP Global, S.A..

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